terça-feira, 27 de julho de 2010

Conflito entre Uribe e Chávez: os rumos da América do Sul em jogo

Vivenciei uma situação bem inusitada na última quinta-feira (22 de julho). Estava procurando artigos de artesanato em uma feira de economia popular em Caracas no mesmo momento em que Chávez, durante visita oficial de Maradona, anunciou o rompimento de relações diplomáticas da Venezuela com a Colômbia após denúncias em reunião na Organização de Estados Americanos (OEA) de que as FARCs estariam sendo protegidas pelo governo venezuelano.

Todos os comerciantes estavam concentrados, assistindo à TV, lendo jornais ou comentando entre eles o fato. Pude perceber rapidamente que a maioria era favorável à decisão tomada pelo governo venezuelano e expressaram seu repúdio às políticas ultraconservadoras e beligerantes de Uribe.

Imediatamente, TVs ligadas à direita venezuelana fortaleceram o discurso da "beligerância incessante de Chávez" que buscava, na verdade, criar um clima de tensão artificial visando a clara desestabilização do governo venezuelano e, principalmente, dos movimentos e organizações populares que sustentam e aprofundam os avanços conquistados por sua luta e mobilização desde a resistência à tentativa de golpe de Estado em 2003.

A TV venezuelana TeleSUR tem mostrado cotidianamente programas e matérias, com depoimentos de diplomatas, ex-paramilitares colombianos, entre outros atores envolvidos na questão, que comprovam a entrada a partir das fronteiras de inúmeros paramilitares colombianos e membros de órgãos de inteligência do Estado colombiano na Venezuela.

Também não é por acaso que um conhecido protagonista em conflitos e questões internacionais não tem sido citado pela grande mídia venezuelana e internacional: os Estados Unidos possuem interesses diretos em tornar a Colômbia um verdadeiro e estratégico enclave político-militar na América do Sul, capaz de desestabilizar e evitar o aprofundamento de experiências antineoliberais e antiimperialistas (como se vivencia na Venezuela e na Bolívia) e de permitir acesso a diversos e abundantes recursos naturais localizados no continente sul-americano, ameaçando a soberania de todos os países da região.

O pretexto da política antidrogas e a construção de bases militares norte-americanas na Colômbia são uma clara demonstração disso.

Deixei Caracas rumo ao Brasil em um momento de grande efervescência em torno de um fato político crucial que diz respeito não apenas à Venezuela e à Colômbia, mas sim aos rumos do continente sul-americano.

A inserção do Brasil no conflito

Ao chegar no Brasil, não me surpreendi ao tomar conhecimento do discurso pautado pela grande mídia brasileira, logo incorporado pelo senso comum, de que existe uma clara intenção da Venezuela de entrar em guerra contra a Colômbia.

A direita brasileira possui total noção de que o conflito originado por Uribe possui desdobramentos no Brasil e em toda a América do Sul, portanto cumpre o papel de fortalecer e radicalizar o discurso dos veículos da grande mídia.

As últimas declarações de Índio da Costa (DEM), candidato a vice-presidente de Serra, sobre relações supostamente estreitas entre as FARCs, o PT e o governo Lula foram politicamente calculadas e expressam umque a direita brasileira em firme parceria com a grande mídia tem conseguido: recuar e pressionar pela direita a política externa do governo Lula.

Não se pode conferir à política externa brasileira um caráter essencialmente progressista, mas teve atitudes (obrigatórias, para um governo que se diz progressista, diga-se de passagem) em alguns casos que certamente um governo assumidamente de direita não teria: o firme repúdio ao golpe militar em Honduras e o respeito à soberania do povo boliviano durante o episódio de nacionalização do gás natural boliviano.

Por outro lado, os eixos de uma autêntica política de cooperação e integração entre os povos são incorporados de forma esperta e meramente retórica pelo governo Lula em diversos casos, como evidenciam a ocupação militar brasileira no Haiti e o processo de internacionalização de grandes empresas brasileiras com a exploração de trabalhadores e comunidades indígenas e tradicionais e a agressão à soberania de países vizinhos sul-americanos.

A declaração de Marco Aurélio Garcia, dirigente do PT e assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, sobre o conflito em questão demonstra que não há a menor vontade política do governo brasileiro em adotar medidas mais duras de repúdio às posturas ultraconservadoras e beligerantes de Uribe:

"Eu acho que é lamentável isso, mas nós temos convicção de que com o estabelecimento do novo governo [da Colômbia] essas coisas possam se recompor imediatamente. O Brasil está ajudando e vai continuar ajudando através de conversas com as partes", disse Garcia.

A necessária resposta unitária dos lutadores populares sul-americanos

Não podemos aguardar respostas a esta situação a partir de cima, a auto-organização popular de lutadores no Brasil e na América do Sul deve impulsionar iniciativas políticas a esta questão que diz respeito aos rumos da América do Sul e da geopolítica internacional como um todo.

A construção de uma unidade de forças políticas de esquerda e movimentos sociais do continente e da Colômbia no combate sem vacilações às polìticas ultraconservadoras de Uribe e no sentido de pressionar os governos de países sul-americanos e os organismos multilaterais sul-americanos e internacionais a tomarem medidas duras.

Ou seja, torna-se urgente a organização de campanhas massivas de repúdio ao governo colombiano construída de baixo para cima.

Seria uma importante iniciativa para combater a possibilidade cada vez mais real de guinada à direita na América do Sul que está sendo esboçada política e militarmente com a intervenção direta (e silenciosa) dos EUA.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A falsa solução do Estado palestino

Retomo o 'travessia insurgente' dois dias após uma das maiores barbáries praticadas por Israel em seus 62 anos de políticas baseadas em racismo e terrorismo de Estado.

A legitimidade israelense perante à opinião pública internacional equipara-se cada vez mais ao regime de apartheid sul-africano vigente até 1994 perto de seus últimos dias.

Obviamente, não há como compreender a questão palestina e a histórica luta de libertação nacional empreendida por seu povo sem situá-las no contexto do Oriente Médio e o papel estratégico cumprido pelas potências imperialistas na região.

Condenar o sionismo não se trata de uma questão de defender muçulmanos, judeus ou cristãos, mas sim toda a humanidade.

No entanto, ao contrário do que muitos pensam, a criação de um Estado palestino defendida por alguns ativistas, intelectuais e até chefes de Estado (como o próprio presidente brasileiro Lula, em recente viagem a Israel e aos territórios da Autoridade Nacional Palestina) não solucionaria efetivamente o problema e poderia implicar em diversos outros.

Tal tema, que ganha mais densidade do que nunca no atual momento, foi abordado por Rui Polly em "A falsa solução do Estado palestino", artigo publicado na edição de julho de 2009 da Revista Revolutas com argumentos bastante procedentes contrapondo a ilusão criada em torno da proposta de Obama e do governo norte-americano pela realização de negociações entre governos e organismos regionais e internacionais para a criação de um Estado palestino.

Leiam o artigo na íntegra:

Em maio, Barack Obama, presidente dos EUA, defendeu em uma reunião com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a proposta de criação de um Estado palestino. Declarou seu engajamento pessoal para concretizá-la. A ofensiva do governo norte-americano desde então tem surtido efeito. Além da União Européia, a Liga das Nações Árabes e a Autoridade Nacional Palestina (ANP) declararam seu apoio à proposta. Ismail Haniyeh, líder do governo do Hamas em Gaza, declarou que "se existe um projeto realista para resolver a causa palestina com o estabelecimento de um Estado nos territórios ocupados em 1967 e com plena soberania, apoiaremos". E, finalmente, o próprio Netanyahu assumiu no mês de junho a possibilidade de construção de um Estado palestino.

Mas enquanto os palestinos exigem plena soberania, para Israel o Estado palestino deve ser desmilitarizado, sem controle do espaço aéreo, e proibido de estabelecer alianças com o Irã ou com o Hezbollah.

Apesar de posições tão antagônicas, o que não se pode negar é que Obama tem conseguido avançar na construção de um consenso em torno da proposta de criação de um Estado palestino, também conhecido como o princípio de "dois Estados para dois povos". Consolidado o consenso, as negociações formais teriam início, até se chegar eventualmente a uma posição comum. Não é possível afirmar se os EUA conseguirão costurar o consenso para que as negociações tenham início. Em particular, precisarão convencer Israel de suspender a colonização na Cisjordânia. Mas o fato é que há uma forte ofensiva política articulada para que o processo de negociações tenha início.

Se isso ocorrer, independente dos desdobramentos seguintes, significará o abandono da proposta de um único Estado, laico e democrático, abrigando judeus e palestinos, que abrangesse o território integral da Palestina histórica. Consolidaria a mudança de posição que teve início no início dos anos 1990, quando a OLP decidiu participar das negociações que culminaram na assinatura do trágico Acordo de Oslo em 1993.

A quem serve a proposta

Mesmo assumindo a hipótese, altamente improvável, de que o estado palestino fosse criado no território anterior às anexações de 1967, ele surgiria em condições absolutamente desfavoráveis. Do ponto de vista econômico, dificilmente o novo Estado poderia desenvolver-se na escala e velocidade necessárias para garantir suas necessidades. Já Israel conta com uma economia estruturada, além dos subsídios fornecidos pelos seus aliados norte-americanos que foram cruciais para a sua existência.

No plano militar, a correlação de forças não seria muito diferente da atual, pois além de Israel ser uma das maiores potências militares do mundo, os EUA e Israel não aceitarão um Estado palestino que desenvolva livremente seu poderio militar. E, em caso de um conflito militar, Israel conta ainda com o apoio militar dos EUA, a maior potência militar do planeta.

Há também outras questões importantes, como o controle sobre recursos naturais existentes nas áreas ocupadas após 1967, como é especialmente o caso dos recursos hídricos.

Finalmente, uma coexistência pacífica entre os dois Estados seria impossível enquanto persistisse a existência do Estado sionista de Israel. Os sionistas têm mostrado reiteradamente, com a brutalidade de suas ações militares, um ódio racista que mal esconde o desejo de exterminar o povo palestino. As imagens do recente massacre ainda estão bem vivas.

A política de Obama

A idéia de que seja a única solução capaz de garantir a paz, esconde o fato de que o Estado de Israel se formou ao longo de seis décadas de gradual genocídio contra o povo palestino, pela usurpação permanente de territórios através da expulsão de milhões de palestinos de suas terras, com o aval e apoio decisivo dos EUA e demais potências imperialistas.

Muitos vêem Obama como um político progressista e democrático. A sua retórica contribui para alimentar essa ilusão, como o seu discurso em Cairo em junho passado. Obama é diferente de Bush, mas ao seu modo vem defendendo, na condição de presidente, os interesses do imperialismo norte-americano. Assim, ao mesmo tempo em que faz belos discursos pela paz, aprofunda a intervenção militar no Afeganistão.

O compromisso de Obama com a criação do Estado palestino é coerente com essa política. É uma resposta à situação política desfavorável na região. O ataque sionista à Faixa de Gaza chocou o mundo inteiro, desencadeando grandes protestos e manifestações contra Israel. E obrigando os governos árabes, em geral servis aos EUA, a condenar a agressão israelense, acuados pela revolta das populações do mundo árabe.

Obama quer estabilidade política no Oriente Médio, para assegurar os interesses norte-americanos. Assim, o papel dos EUA em eventuais negociações, não se limitará à mediação, mas fará prevalecer o peso dos interesses imperiais no novo mapa que vislumbram para a Palestina e o Oriente Médio. Isso significa que não permitirão um Estado palestino econômica, política e militarmente soberano, que ameace Israel e gere mais instabilidade e tensões em uma região marcada historicamente por turbulências, guerras e revoluções. E, crucialmente, significa também que qualquer resultado deverá manter o papel de Israel como cão de guarda de seus interesses na região.

As atuais tensões entre EUA e Israel não expressam antagonismo de interesses ou projetos, mas sim divergências táticas e de métodos. Quaisquer pressões dos EUA por concessões de Israel nas negociações terão como objetivo garantir que o Estado palestino não seja um simples bolsão de apartheid, para assegurar um resultado minimamente honroso para as organizações que estarão representando o povo palestino.

Tiro no pé

Uma participação palestina nas negociações é, portanto, um tiro no pé. O palco das negociações será foco de uma enorme pressão política para que se chegue a um acordo. E lembremos que qualquer negociação implica concessões das partes envolvidas. Neste caso, para Israel significa abdicar de algumas das suas "conquistas" que, na verdade, foram produtos de simples usurpação. Mas quanto aos palestinos a primeira e maior concessão será o reconhecimento e a legitimação do Estado sionista que surgiu e se fortaleceu graças à sua destruição, ao seu enfraquecimento e à expatriação e assassinato de milhões de mulheres e homens. Essa concessão é, na verdade, um pressuposto para que a própria negociação ocorra. Quanto às concessões posteriores, os representantes palestinos terão que decidir quais usurpações e atos de agressão sionistas estão dispostos a legitimar.

Participar de tal processo equivale a entrar voluntariamente na jaula do leão.

Um só Estado

A única política que pode garantir a paz é a criação de um único Estado laico e democrático, em toda a área da Palestina histórica, onde conviveriam palestinos e judeus. Esta é uma bandeira histórica do povo palestino, que foi abandonada no início dos anos 1990, quando a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) iniciou as negociações com Israel que culminaram no trágico Acordo de Oslo em 1993. Yasser Arafat, então presidente da OLP, reconheceu o Estado de Israel em uma carta oficial enviada ao primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin.

Muitos dizem que é uma proposta inviável, mas é fato que palestinos e judeus conviveram na Palestina antes da fundação do Estado de Israel e da expulsão de cerca de 900 mil palestinos de suas terras. Durante décadas, a minoria de judeus (cerca de 15 mil) viveram na Palestina sem sofrer ataques ou perseguição. Hoje essa solução requer a derrota do sionismo e, portanto, do Estado terrorista de Israel.

É hora, portanto, de retomar essa bandeira e lutar por ela. E lembrar as valiosas lições do acordo de Oslo que enfraqueceram a luta do povo palestino e fortaleceram o sionismo.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

30 anos da Revolução Sandinista

Texto que escrevi para a edição de agosto da Revista Revolutas:

Desde que ocorreu há 30 anos atrás, a experiência da Revolução Sandinista na Nicarágua colocou e continua colocando importantes lições para os socialistas.

A Nicarágua foi marcada por um contexto político atípico no século XX. A família Somoza dominou o país por 52 anos (de 1927 a 1979) com sucessivas ditaduras militares. A Nicarágua possuía uma economia agrária e era um dos países com maiores índices de pobreza e corrupção do mundo.

A Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) foi fundada em 1961, com clara inspiração na Revolução Cubana e nas idéias de Augusto Sandino, líder de uma rebelião popular contra a presença militar dos EUA na Nicarágua nos anos 20 e 30.

No início, a FSLN era formada basicamente por estudantes opositores à ditadura de Somoza e influenciados pelos movimentos guerrilheiros latino-americanos.

Mesmo em um duro contexto de censura e repressão, os sandinistas ganharam considerável inserção entre setores populares durante os anos 70 e tornaram-se a principal força política de oposição à sanguinária ditadura de Somoza.

A partir da metade dos anos 70, a ala majoritária da FSLN (os "terceristas") decidiu adotar uma política de frente popular, aliando-se a setores da burguesia nicaragüense que faziam oposição a Somoza.

Essa estratégia priorizava a luta contra Somoza e o imperialismo e deixava de lado a defesa de uma revolução social e política dos trabalhadores contra as mazelas provocadas pela burguesia nicaragüense com apoio do imperialismo norte-americano.

Ainda assim, a crescente repressão de Somoza com apoio norte-americano não foi capaz de sufocar a insatisfação popular contra as injustiças sociais que duravam há décadas. Os sandinistas derrubaram Somoza e tomaram o poder em julho de 1979.

De imediato, estabeleceu-se a Junta de Reconstrução Nacional que governou o país de 1979 a 1985. O governo sandinista era presidido por Daniel Ortega e, em sua maioria, composto por dirigentes da FSLN, mas também por alguns setores da burguesia nicaragüense que depois romperiam com o sandinismo.

Indiscutivelmente, o imperialismo cumpriu um papel fundamental no cenário político nicaragüense. Os governos norte-americanos sustentaram as ditaduras militares da família Somoza desde o início nos anos 20.

Após crescente campanha internacional contra Somoza, o presidente democrata norte-americano Jimmy Carter retirou o apoio a Somoza no início de 1979, mas continuava condenando os sandinistas.

Logo que assumiu a presidência norte-americana nos anos 80, o republicano Ronald Reagan deixou claro o apoio à direita nicaragüense na luta contra os sandinistas.

Já economicamente debilitada com um embargo econômico e restrições comerciais, o governo sandinista sofreu oposição militar da burguesia nicaragüense com evidenciado apoio financeiro e logístico dos Estados Unidos e colaboração da ditadura militar argentina – os chamados "contras" (abreviação para "contrarrevolucionários").

Mesmo no complicado contexto de guerra civil, a Revolução Sandinista alcançou importantes conquistas sociais na educação, reforma agrária, saúde e cultura. Em poucos anos, o analfabetismo foi reduzido em 37% (de 50% para 13%).

Os sandinistas decidiram manter um sistema de economia mista que implicava em colaboração com o capital privado e acabou por colocar outras contradições à luta contra a burguesia nicaragüense.

FSLN e Ortega venceram as eleições realizadas em 1984, mas a burguesia nicaragüense continuou articulando oposição com apoio norte-americano.

Ortega seria derrotado por Violeta Chamorro, ex-aliada sandinista, nas eleições presidenciais de 1990 e por mais duas vezes consecutivas em 1996 e 2001. A FSLN chegou novamente ao poder na eleição de Ortega em 2006 em uma controversa aliança com setores conservadores.

A Revolução Sandinista foi uma histórica demonstração de luta contra o imperialismo e serviu de inspiração para os trabalhadores do mundo inteiro. Mas suas limitações e contradições deixam claro que, mesmo que exista uma complexa relação entre nação e classe, a questão nacional não deve se sobrepor à luta de classes.

A luta contra o imperialismo apenas pode triunfar desde que se vincule à luta contra o capitalismo e paute o combate dos trabalhadores da cidade e do campo às burguesias nacionais.

Ou seja, a vitória de autênticas lutas de libertação nacional está diretamente ligada à conquista de uma sociedade sem exploração e opressão pelo protagonismo dos trabalhadores, uma sociedade socialista.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Movimento Música para Baixar

Recentemente, músicos, produtores e ativistas lançaram o movimento Música para Baixar (MPB) – http://musicaparabaixar.org.br – em defesa da liberdade de divulgar e baixar músicas na rede e da diversidade cultural e contra o jabá e o monopólio de grandes veículos de comunicação na divulgação da produção cultural.

Zélia Duncan, Leoni, Teatro Mágico, GOG, Nei Lisboa, músicos independentes e ativistas encabeçam o movimento. Leo Jaime, André Abujamra, Roger (do Ultraje a Rigor) e Ritchie também assinam o manifesto.

Uma interessante iniciativa na luta pela democratização da comunicação e da informação para possibilitar a difusão de um conhecimento livre e plural, sem fins comerciais.

Manifesto do Movimento Música para Baixar

É a partir do surgimento da democratização da comunicação pela rede cibernética, que a conjuntura na música muda completamente.

Um mundo acabou. Viva o mundo novo!

O que antes era um mercado definido por poucos agentes, detentores do monopólio dos veículos de comunicação, hoje se transformou numa fauna de diversidade cultural enorme, dando oportunidade e riqueza para a música nacional – não só do ponto de vista do artista e produtor(a), como também do usuário(a).

Neste sentido, formamos aqui o movimento Música para Baixar: reunião de artistas, produtores(as), ativistas da rede e usuários(as) da música em defesa da liberdade e da diversidade musical que circula livremente em todos os formatos e na Internet.

Quem baixa música não é pirata, é divulgador! Semeia gratuitamente projetos musicais.

Temos por finalidade debater e agir na flexibilização das leis da cadeia produtiva, para que estas não só assegurem nossos direitos de autor(a), mas também a difusão livre e democrática da música.

O MPB afirma que a prática do "jabá" nos veículos de comunicação é um dos principais responsáveis pela invisibilidade da grande maioria dos artistas. Por isso, defendemos a criminalização do “jabá” em nome da diversidade cultural.

O MPB irá resistir a qualquer atitude repressiva de controle da Internet e às ameaças contra as liberdades civis que impedem inovações. A rede é a única ferramenta disponível que realmente possibilita a democratização do acesso à comunicação e ao conhecimento, elementos indispensáveis à diversidade de pensamento.

Novos tempos necessitam de novos valores. Temas como economia solidária, flexibilização do direito autoral, software livre, cultura digital, comunicação comunitária e colaborativa são aspectos fundamentais para a criação de possibilidades de uma nova realidade a quem cria, produz e usa música.

O MPB irá promover debates e ações que permitam aos agentes desse processo, de uma forma mais ampla e participativa, tornarem-se criadores(as) e gestores(as) do futuro da música.

O futuro da música está em nossas mãos. Este é o manifesto do movimento Música Para Baixar.

Para assinar o manifesto basta acessar o seguinte link:
http://www.petitiononline.com/mpb/petition.html

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Estado e revolução: o retorno

Exponho aqui um interessante texto de Rui Kureda – disponível na edição de julho deste ano da Revista Revolutas – sobre o retorno da questão do Estado:

Estado e revolução: o retorno

Rui Kureda

A crise do capitalismo trouxe novamente o debate sobre a estratégia. Um debate crucial que articula temas como o programa, o papel do Estado, a política de alianças, os instrumentos e os métodos para concretizar os objetivos almejados. Tais questões pressupõem, por sua vez, uma análise da realidade que determinará os objetivos e tarefas a serem realizados. Essa discussão mal começou. Mas podemos encontrar algumas visões em textos e livros, como o livro A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana, de Emir Sader, e nas teses que serão debatidas no II Congresso Nacional do PSOL.

Não pretendemos – e nem poderíamos – discutir tais questões aqui. Mas queremos chamar a atenção para o retorno de posições que propõem o fortalecimento do papel do Estado, conferindo-lhe um papel decisivo como "indutor de um novo modelo de desenvolvimento, que aponte para a construção do socialismo", segundo uma das teses congressuais do PSOL. Ou ainda, como defende outra tese, a defesa de "construção de um Estado democrático e forte" como um dos eixos programáticos com o "objetivo ampliar as capacidades e forças em sua relação com o mercado e subjugando-o".

Tais posições não são novas. Mas a diferença é que nos dias atuais há a experiência dos governos de esquerda da América Latina, que têm se constituído em paradigmas e referências para significativas parcelas de militantes dos movimentos sociais e organizações de esquerda.

Inconsistências

Qualquer suposição de que se possa controlar o Estado, e colocá-lo a serviço de políticas que favoreçam a população pobre e criem condições para avançar rumo ao socialismo, deve responder algumas questões fundamentais. Uma delas é como chegar, e por quais vias, ao controle do atual Estado? Talvez a resposta óbvia, tendo em conta os processos na Venezuela e demais países, seja a via eleitoral.

Mas não se pode esquecer que os governos de esquerda da América Latina foram produtos de circunstâncias concretas. Durante o primeiro governo de Chávez não havia uma "revolução bolivariana" em curso. O marco do seu surgimento foi o amplo movimento de massas que salvou Chávez dos golpistas que o haviam seqüestrado em 2002. Da mesma forma, na Bolívia, a eleição de Morales em 2005 expressou a radicalização da grande revolta popular que em 2004 obrigou Sánchez de Lozada a fugir do país.

Dois aspectos merecem ser considerados. Primeiro, que os resultados dos processos latino-americanos não podem ser analisados em uma relação causal, ou seja, não podem ser considerados como conseqüências inevitáveis, uma vez que refletiram situações e correlações de força específicas àquelas sociedades. Segundo, qualquer generalização daquelas (e outras) experiências – produtos de circunstâncias concretas – em táticas ou caminhos a serem perseguidos é temerária, uma vez que se leva a implantar políticas que não correspondem à realidade concreta do Brasil. Foi o caso das guerrilhas urbanas e rurais que tentaram repetir no Brasil e na América Latina uma estratégia que ocorreu em Cuba em uma situação completamente específica e atípica. É preciso observar o que é universal e particular em cada processo.

A idéia de que a partir do controle do Estado se possa implementar um "novo modelo de desenvolvimento" exige que se explicite o que é esse "novo modelo". E, independente disso, cabe lembrar que ganhar o governo não significa ter o controle do Estado. No caso do Brasil, o Estado – e a própria estrutura social – é muito maior e extremamente mais complexo que em qualquer outro país da América Latina. As dificuldades seriam muito maiores, e qualquer política socializante envolveria a oposição não somente da direita e do grande capital nacional e estrangeiro, mas também da burocracia estatal, da mídia, dos parlamentos estaduais e locais, de setores significativos da classe média e do extenso aparelho repressivo que engloba as Forças Armadas e as Polícias Militares e Civis estaduais.

Por fim, é necessária uma boa dose de realismo ao analisarmos a situação da Venezuela e outros países latino-americanos. Não podemos nos ater aos governos, mas sim enxergar o todo, em especial a situação da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. Surpreendentemente, Sader é realista quando afirma que aqueles governos são governos antineoliberais, mas que ainda não podem ser considerados anticapitalistas. Ele está correto.

Com relação ao governo Chávez e aos demais governos, não é possível qualquer apoio acrítico e incondicional. Apoiamos as suas medidas progressistas, que confrontem o capital e o imperialismo, e que favoreçam a população. Mas não podemos apoiar medidas que tendem a apertar o controle sobre os movimentos e a promover um papel cada vez mais centralizador do Estado.

Portanto, para nós, o fundamental é o fortalecimento da auto-organização e da consciência revolucionária da classe trabalhadora e dos explorados. É isso que possibilita a auto-emancipação dos trabalhadores, e não o fortalecimento do Estado.

A natureza do Estado

Por trás de tudo isso está o debate sobre a natureza do Estado. Fala-se em tomar o Estado, controlar o Estado. Mas o Estado não é uma "coisa" que possa ser tomada para que se modifique sua natureza conforme a vontade. A estrutura do aparelho de Estado burguês expressa as relações sociais preponderantes no capitalismo, baseadas na exploração de uma classe majoritária na sociedade – a classe trabalhadora – por uma classe minoritária – a burguesia. O Estado existe precisamente para manter e assegurar essas relações de exploração através dos seus vários mecanismos: parlamento, forças armadas e polícia.

É verdade que o Estado sofre mudanças. Assume formas e regimes políticos diferentes, mas até o limite da "ossatura institucional" que é o conjunto de instituições e mecanismos de poder que não são porosos à participação e controle social. Em outras palavras, o Estado não pode ser modificado a ponto de garantir o controle social, com direito à eleição e revogação dos mandatos dos parlamentares, funcionários estatais, forças armadas e polícia. Emir Sader afirma que o Estado é um "espaço em disputa". Ele está errado. Apenas poderíamos admitir tal afirmação em termos parciais e limitados. Há espaços a serem disputados, mas não o núcleo duro do aparelho estatal. Mas ele e outros teóricos, como Carlos Nelson Coutinho, parecem convencidos de que é possível disputar e transformar o conjunto do aparelho de Estado. Parece que muitas das lições trágicas proporcionadas por experiências históricas como o governo da Unidade Popular presidido por Allende no Chile não foram aprendidas. Ou outras conclusões foram extraídas desses processos.

Para nós, as análises de teóricos como Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Lenin, Trotsky e Gramsci – cuja obra, Cadernos do cárcere, foi "seqüestrada" por Togliatti e equivocadamente apropriada para sustentar o eurocomunismo – permanecem referências decisivas para a compreensão da natureza e do papel do Estado burguês. E seus ensinamentos devem compor a base de qualquer estratégia revolucionária conseqüente que pressupõe a ruptura com o capitalismo e a construção do socialismo como uma obra da maioria e não de uma minoria substitucionista que age "em nome" da classe trabalhadora ou da sociedade.

Conclusão

Finalmente, um aspecto fundamental decorre das experiências do chamado "socialismo real". Naqueles países não havia mercado nem capital privado. A economia era controlada a partir de cima por uma burocracia que, tendo o Estado sob seu controle, determinava todo o processo produtivo. Esses regimes não caíram por conta de qualquer conspiração da CIA, mas sim por conta da dinâmica de suas economias que engendravam o mesmo tipo de contradições existentes no capitalismo de mercado. E seus governantes foram derrubados pelas mesmas massas cujos interesses supostamente representavam.

A forma estatal da propriedade não é, em si, superior à forma privada. Depende de que tipo de Estado se fala, de quem controla esse Estado e como se dá esse controle. Uma transição socialista apenas pode ser conduzida pela classe trabalhadora "alçada à condição de classe dominante", o que significa não um Estado capitalista "forte", mas um semi-Estado, baseado em órgãos democráticos – os conselhos de trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo – que exercem o poder diretamente a partir da base da sociedade.

Defender essa perspectiva revolucionária não nos permite alimentar quaisquer veleidades sobre controlar o Estado burguês para avançar rumo ao socialismo. Mesmo que tais políticas sejam chamadas de "táticas", não o são. Afinal, o stalinismo e os Partidos Comunistas também defenderam "táticas" – como a visão etapista de revolução e a "tática" da frente popular – que conduziram a derrotas trágicas que custaram não apenas a vida de milhões, mas a dramáticos retrocessos na luta pela emancipação humana.

A relevante contribuição limitada das ferramentas tecnológicas à luta revolucionária

A discussão sobre a imensa amplitude das novas tecnologias tem se tornado recorrente nos dias atuais.

O acesso à Internet tornou-se algo ao alcance de 1 bilhão de pessoas no mundo inteiro. [1]

Os celulares também se espalham não apenas pelas metrópoles, mas por quase todos os rincões do planeta.

A popularização do acesso a estas e outras ferramentas tecnológicas possui um caráter altamente contraditório: ao mesmo tempo que bilhões de pessoas podem se comunicar com outras através de computadores e celulares, a maior parte da população mundial (nos países pobres, principalmente) continua vivenciando uma exclusão digital e, sob a lógica do capital, as tecnologias são monopolizadas por grandes empresas do ramos da informática e da telefonia.

Os donos das indústrias da informática e da telefonia sofrem resistência dos movimentos e ativistas pela democratização da comunicação, como a luta pelo software livre.

A maioria dos usuários da Internet e de celular é composta em grande parte por jovens, que dedicam boa parte de seus dias ao uso de tecnologias.

De uns cinco anos para cá, as chamadas "redes sociais" (Orkut, Facebook, MySpace) viraram um fenômeno. Mais recentemente, o Twitter tornou-se a menina dos olhos das redes sociais. A rede P2P troca músicas, programas, filmes e sofre dura oposição das indústrias fonográfica e cinematográfica e da direita em sua cruzada antipirataria.

Os torpedos SMS e toques musicais viraram mania nos celulares, sendo que todos os novos modelos de celulares possuem WAP e espaço para MP3. Os blogs também se proliferaram aos montes e, assim como as redes sociais, ganharam a simpatia deste recém-blogueiro que vos fala.

O esporte, a música e o sexo estão entre as coisas mais buscadas e discutidas na Internet. Mas também há espaço para outros temas, como a política, a cultura, a educação, entre outros.

O movimento contra a repressão protagonizado por estudantes, trabalhadores, mulheres e minorias religiosas e nacionais no Irã utilizou o Twitter como ferramenta de comunicação e divulgação dos acontecimentos e mobilizações. Estranhamente, alguns chegaram a cogitar a existência de uma "revolução via Twitter" no Irã. [2]

Em menor escala, a Internet foi amplamente utilizada na divulgação de lutas contra os efeitos da crise do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos e na resistência ao golpe militar em Honduras.

No Brasil, a luta de estudantes, professores e funcionários contra a repressão e por democracia na USP ganhou grande notoriedade em junho. Relatos, fotos e vídeos pipocaram pela web, atos contra e em defesa do movimento eram divulgados nas redes sociais e listas de e-mails. [3]

Apesar da permanência da fragmentação e do isolamento entre as lutas sociais – e do refluxo do movimento de massas no caso brasileiro – vemos que não faltaram demonstrações de luta e resistência pelo mundo afora durante o primeiro semestre de 2009, que começou marcado pelas grandes mobilizações contra o massacre israelense aos palestinos na Faixa de Gaza.

Blogs e sites de esquerda estão na praça cibernética, mas em quantidade e alcance ainda incomparáveis à força do senso comum reforçado cotidianamente nos sites da mídia burguesa.

Os recursos audiovisuais que podem difundir nossas idéias de maneira inimaginável, por exemplo, ainda não são devidamente aproveitados: podcasts, vídeos, animações, entre outras possibilidades proporcionadas pelo mundo virtual.

No entanto, existem duas posturas equivocadas que persistem sendo hegemônicas entre a esquerda em relação ao tema: os "militantes jurássicos", que desprezam de forma retrógrada a relevância da utilização do mundo virtual para a luta revolucionária, e os "militantes virtuais", que supervalorizam a importância do mundo virtual, chegando ao ponto às vezes de sobrepor ilusoriamente às ações neste ao mundo real.

Faz-se extremamente necessário superar essa falsa dicotomia, não podemos negar ou superestimar a importância das ferramentas tecnológicas. Imaginemos então as dificuldades enfrentadas pelos revolucionários russos na questão da comunicação durante o início do século XX:

O blogueiro socialista inglês, Adrian Cousins, do Socialist Workers Party britânico resume bem a situação:

Os bolcheviques construíram um partido de massas e tomaram o Estado sem a ajuda de qualquer tecnologia que não fosse a imprensa (algo novo e revolucionário naquela época).Eles não utilizaram telefones para conversar entre si porque o telefone não era uma tecnologia amplamente disponível a milhões de pessoas. Não era disponível aos bolcheviques e nem às outras forças políticas e à classe dominante.

Mas se os telefones estivessem amplamentre disponíveis entre os trabalhadores de Petrogrado, os bolcheviques não seriam capazes de tomar o poder sem a utilização de telefones. Todas as outras forças políticas usariam telefones, incluindo os mencheviques, a burguesia e os monarquistas. Não utilizando tecnologias disponíveis para se comunicar da forma mais ampla e massiva possível, os bolcheviques abandonariam o espaço para outros que utilizariam a nova tecnologia como uma arma contra os bolcheviques.
[4]

Há que se tomar o cuidado de não se deixar levar por um "conspiracionismo", mas é verdade que não podemos esquecer da segurança e confiar ingenuamente na idéia de que não há vigilância das ações dos movimentos sociais pela Internet.

Também é óbvio que a transformação revolucionária da sociedade não se dará por SMS, e-mail, scrap ou petition online, nada substitui a atividade revolucionária no cotidiano do mundo real. Não podemos cometer o erro de superestimar e nos deixar consumir pelo mundo cibernético em detrimento do contato presencial na luta e na vida e acabar caindo em uma espécie de "militância virtual".

Mas desprezar a relevância dos computadores e celulares no capitalismo contemporâneo em tempos de Orkut, SMS, YouTube e Twitter é cegueira. Se o mundo cibernético fosse inútil e irrelevante, não estaríamos aqui agora entre cliques em teclados e mouses lendo e escrevendo coisas.

Os socialistas têm que defender a luta pelo pleno e irrestrito acesso às tecnologias e à comunicação como um todo, sem entraves propostos por reacionários como Eduardo Azeredo e Hélio Costa, e saber aproveitar e utilizar as ferramentas tecnológicas existentes como armas a seu favor.

Não apenas para fazer a disputa de idéias e dialogar com jovens, trabalhadores e outros setores populares da sociedade, mas também como um importante suporte para organizar a luta pela libertação humana.

O escritor e músico Gil Scott-Heron cantava que "a revolução não será televisionada", mas isso não podemos assegurar. [5] Temos a certeza de que ela não virá por zappings televisivos ou pela banda larga. Um e-mail, um SMS e um vídeo no YouTube são detalhes perto da importância da articulação promovida em reuniões e mobilizações, mas detalhes que podem fazer a diferença para nos juntarmos nas lutas e ruas do mundo real pela construção de uma sociedade livre e radicalmente democrática.

Notas:

[1] Internet passa de 1 bilhão de usuários, segundo a comScore, notícia dada pela InfoWester Notícias em janeiro de 2009:
http://www.infowester.com/noticias/internet-passa-de-1-bilhao-de-usuarios-segundo-a-comscore

[2] Vídeo feito por estudantes sobre a dura repressão policial aos grevistas em junho de 2009:
http://www.youtube.com/watch?v=SF71x_cMWy0

[3] America’s Iranian Twitter Revolution, artigo de Max Forte em junho de 2009:
http://openanthropology.wordpress.com/2009/06/17/americas-iranian-twitter-revolution

[4] A militant network of collaborating agents, artigo de Adrian Cousins em janeiro de 2009:
http://leninism2point0.blogspot.com/2009/01/role-of-online-organ-should-not-be.html?widgetType=BlogArchive&widgetId=BlogArchive1&action=toggle&dir=open&toggle=YEARLY-1199145600000&toggleopen=MONTHLY-1246402800000,MONTHLY-1243810800000

[5] The revolution will be not televised, música de Gil Scott-Heron:
http://www.youtube.com/watch?v=p43YYovonS0

segunda-feira, 20 de julho de 2009

21 anos de "Hip-hop – cultura de rua"

Em 2009, completam-se 21 anos do lançamento da coletânea Hip-hop – cultura de rua, o primeiro registro fonográfico do rap brasileiro.

Lembro a primeira vez que ouvi Corpo Fechado, de Thaíde e DJ Hum, há uns cinco anos atrás no Espaço Rap, programa da Rádio 105 FM. Não simpatizava muito com o rap brasileiro e, por desconhecimento, tinha Sabotage até então como minha única referência no rap nacional.

Mas Corpo Fechado me marcou pela "crônica-rap" de Thaíde e pela crueza e originalidade dos scratches de DJ Hum e contribuiu para que futuramente eu fosse rever muitos dos conceitos que tinha sobre a cena brasileira do rap e do hip-hop.

O ritmo e a poesia, que nomeavam o rap (rhythm and poetry, em inglês), fundiam-se de forma autêntica e ousada nas mãos e nas vozes de dois jovens negros e pobres da periferia paulistana. Alguns versos da música ficaram gravadas na minha memória:

(...)

Eu já te disse o meu nome
Meu nome é Thaíde
Meu corpo é fechado e não aceita revide

(...)

Vivo nas ruas com minha liberdade
Fugi da escola com 10 anos de idade
As ruas da cidade foram minha educação
A minha lei sempre foi a lei do cão
Não me arrependo de nada que eu fiz
Saber que eu vou pro céu não me deixa feliz

(...)

Tenho o coração mole, mas também sou vingativo
Portanto, pense bem se quer aprontar comigo
Se achas que esse neguinho sua bronca logo esquece
Então não perca tempo, pergunte a quem conhece

Além de Thaíde e DJ Hum (expoentes do rap brasileiro nos anos 80 e 90), o álbum contou com a participação de MC Jack, Código 13 e outros precursores do hip-hop brasileiro e a produção de Nasi (sim, ele mesmo: o Nasi do IRA!) e Skowa e foi, definitivamente, um marco na história do hip-hop e da música negra no Brasil.

Hip-hop – cultura de rua tem um lado festivo, algo que faz parte do hip-hop desde sua origem e difusão das block parties ("festas no quarteirão") em guetos de Nova Iorque aos bailes black em São Paulo e no Rio de Janeiro nos quais a diversão era a principal característica, mas preza principalmente pela denúncia das mazelas e da ausência de perspectivas que ainda atingem os jovens negros e pobres das periferias de grandes cidades brasileiras.

É impossível pensar na força que o hip-hop brasileiro possui hoje sem lembrar da enorme importância de Hip-hop – cultura de rua na trajetória historicamente contestadora do rap e do hip-hop no Brasil.

Corpo Fechado, de Thaíde e DJ Hum:
http://www.youtube.com/watch?v=W3lEmx2fVAY

Hip-hop – cultura de rua para download (73,6 MB):
http://rapidshare.com/files/43330486/HIP_HOP_CULTURA_DE_RUA.rar.html