quarta-feira, 1 de julho de 2009

Michael Jackson e a questão racial

Fiz a tradução de um artigo de Yuri Prasad, no Socialist Worker, que faz uma relação procedente (na minha visão) entre a talentosa e problemática trajetória de Michael Jackson e os ascensos e refluxos da luta contra o racismo bastante arraigado na sociedade norte-americana, inclusive na música:

Michael Jackson: um homem aprisionado por uma máscara

[Yuri Prasad]

Yuri Prasad mostra como apesar de sua enorme popularidade, Michael Jackson expressava as contradições do racismo na indústria musical

As palavras da música Young, Gifted and Black (algo como "jovem, talentoso e negro"), de Nina Simone, poderiam ter sido escritas especialmente ao Jackson Five. Quando a primeira canção do grupo, I Want You Back, alcançou as paradas de sucesso em 1969, os irmãos pareciam resumir o anseio de orgulho negro que surgia do movimento por direitos civis.

O Jackson Five combinava a experiência de vida – derivada da sua criação em bairros operários e populares de Indiana – com uma respeitabilidade considerável. Eles vestiam-se de forma original, mas não de forma tão diferente que não pudessem ser copiados, e deixavam seu cabelo no estilo afro de forma natural.

Seus passos minuciosamente coreografados tinham a intenção de encantar mais com o jeito inocente infanto-juvenil do que com a sensualidade. E desde o início, Michael, um garoto de 10 anos, era a estrela do grupo.

Dois anos depois, o Jackson Five tinha um desenho animado e uma série de revistas adolescentes dedicadas à banda e todo disco que a banda lançava vendia aos milhões.

Era uma "banda-família" que atingia milhões de pessoas que até então raramente tinham visto negros também fazendo sucesso e em ascensão econômica graças a isso.

Fenômeno

Na década seguinte, Michael estava no auge de sua carreira. Thriller, seu álbum produzido em 1982, foi o álbum mais vendido de todos os tempos e transformou a música popular e, em particular, os videoclipes musicais.

Em todos os lugares, as crianças rapidamente começaram a imitar seu estilo. Sua renovada popularidade transcendeu as linhas da questão racial, algo que o Jackson Five não conseguiu cruzar.

Mas embora o novo visual de Michael fosse teatralmente mais estranho que o anterior, sua popular associação com o "orgulho negro" passou por uma transformação.

Em uma época que as conquistas do movimento por direitos civis estavam ameaçadas e o slogan sobre a beleza negra, "black is beautiful", em refluxo, as repetidas transformações na pele e cirurgias plásticas de Michael pareciam representar, na visão de muitos, um homem desesperado para se tornar branco.

Alguns comentaristas associam esta automutilação à sua distorcida personalidade. Eles dizem que a fama precoce fez com que ele se rejeitasse e fosse à busca de uma beleza inalcançável.

Outros insistem na idéia que as cirurgias representavam nada mais que uma extensão de suas mudanças de estilo.

Essas suposições superficiais esquecem que o racismo continua formando as idéias de beleza nas quais tons de pele mais claros ainda são apresentados como ideais e omitem a possibilidade de Michael querer se transformar em um homem que era tanto negro como branco.

E caso seja este o caso, existe mais do que influência em relação à história de Tamla Motown, a gravadora que ajudou a lançá-lo ao estrelato.

Fundada em Detroit em 1959, a Motown estava localizada em um distrito habitado pela classe trabalhadora negra no norte da cidade e durante uma série de anos atraiu centenas de jovens talentos locais e lançou vários deles ao estrelato.

Smokey Robinson and The Miracles, Diana Ross and The Supremes, Marvin Gaye e Tammi Terrell, Martha Reeves and The Vandellas, The Isley Brothers e The Four Tops são alguns exemplos, juntos conseguiram se tornar um fenômeno musical que abalou os EUA e contribuiu para a ruptura das barreiras raciais na música.

Quase tudo sobre a Motown envolvia a questão negra. O dono da gravadora, Berry Gordy, é negro, assim como era a maioria de seus artistas. Os principais compositores da gravadora eram negros, as bandas de apoio eram negras e até os funcionários e contadores da Motown eram negros.

A única coisa que não era exclusivamente negra era o público da Motown e isso era algo que Gordy sabia muito bem.

Ele decidiu que o slogan da Motown deveria ser "o som da América jovem" e para alcançar o máximo impacto e bastante dinheiro, era muito importante que seus atos e projetos "atravessassem" os limites e vendessem álbuns aos jovens, tanto negros como brancos.

Para este objetivo, todo artista tinha um acompanhamento rigoroso para garantir que ele levasse a mensagem de que os negros eram respeitáveis e, assim, conquistar a maior audiência possível.

Preconceito

Era comum que as capas de álbuns tivessem grupos masculinos com camisas da moda e ternos, enquanto as mulheres vestiam roupas elegantes e mudavam seu cabelo para um "estilo europeu".

Gordy até marcou aulas de dicção para seus principais artistas para garantir que qualquer traço de sotaque dos guetos fosse trocado por uma pronúncia mais aceitável às televisões controladas por brancos.

Em resumo, a Motown queria que seus artistas fossem negros, mas não de um jeito que pudesse "amedrontar" os brancos. Para Gordy, o racismo na indústria da música tornava isto uma necessidade: ao invés de desafiá-lo, antes de tudo você deveria evitá-lo.

Gordy sabia que havia achado ouro quando contratou os irmãos Jackson para a Motown e rapidamente começou a criar uma estratégia de marketing para eles.

A história começou quando Diana Ross, a artista mais bem aceita pelo público e mais bem-sucedida da gravadora, descobriu os garotos e estava determinada a vê-los prosperarem.

Com o crescimento do incipiente movimento de black power e oposição à Guerra do Vietnã, muitos na Motown não viam a hora de ir além e exigiam gravar músicas que refletiam os anseios populares. Alguns, como Marvin Gaye, puderam fazer isso.

Mas, através do Jackson Five, o sempre conservador Gordy via a chance de algo bem mais seguro. Os irmãos poderiam ser divulgados com fins lucrativos como extrovertidos, mas respeitáveis – eles poderiam tocar um bubble-gum soul (com letras românticas e mais pop, sem tratar de problemas sociais e políticos).

Acompanhando a época, eles eram autorizados a serem "negros", mas apenas dentro de certos limites. Uma das tragédias desta história é que depois que Michael saiu da Motown na metade dos anos 70, uma época em que ele tinha a maior parte do controle de sua carreira e sua imagem, o movimento que celebrava o orgulho negro estava em declínio terminal.

Portanto, o racismo e as respostas aparentemente contraditórias a ele acompanham Michael desde sua infância. É realmente tão surpreendente que isso viria a se refletir em sua vida e essência?

http://www.socialistworker.co.uk/art.php?id=18310

Nenhum comentário:

Postar um comentário